“Mama África, a minha mãe é mãe solteira e tem que fazer mamadeira, todo dia, além de trabalhar como empacotadeira nas Casas Bahia”. Os versos iniciais da música Mama África, do cantor e compositor Chico César, fazem referência à dupla jornada de trabalho das mulheres negras e periféricas do Brasil, que cumprem uma extensa jornada em lojas populares do varejo, além de fazerem os serviços de casa. Essa situação de extrema vulnerabilidade social entrou na pauta de reflexões dos pontos focais do Programa Bahia Sem Fome (BSF), que estiveram reunidos nos últimos quatro dias na Festa Literária de Mucugê (Fligê), a 450 quilômetros de Salvador, para fazerem um intercâmbio sobre as atividades até agora realizadas pelo Programa.
A abertura da Fligê contou com o show Vestido de Amor, do cantor Chico César, além de uma conversa literária entre o cantor Arnaldo Antunes e a escritora Bianca Ramoneda. Participante do intercâmbio, Jainei Cardoso, secretária executiva do BSF, fez questão de valorizar o esforço do Governo do Estado em fortalecer a economia solidária e a produção orgânica, fundamentais para promover renda no campo, na periferia dos grandes centros urbanos e nos locais de maior vulnerabilidade social. “O maior índice de insegurança alimentar grave está entre as mulheres negras das periferias dos grandes centros, por isso temos procurado garantir que elas tenham direito à renda. Para essas mulheres, é fundamental, por exemplo, que elas tenham creches para deixar seus filhos com segurança. Elas querem ter um trabalho para poder vencer a fome”, defendeu Jainei.
Ponto focal da Secretaria de Desenvolvimento Rural, Neivia Lima reforçou que o Programa Bahia Sem Fome não se restringe à doação de alimentos. “Essa grande articulação que vem sendo realizada congrega o trabalho de diversas secretarias e órgãos do Estado”, destacou, pontuando que o combate à fome vem sendo feito através da geração de trabalho e renda, sustentabilidade, inclusão socioprodutiva, segurança hídrica e produção de alimentos saudáveis, dentre outros, “e tudo pautado na participação social e na construção de uma rede integrada de equipamentos para garantir o acesso aos serviços que estarão à disposição da população”.
Você tem fome de quê?
Os versos de Arnaldo Antunes “a gente quer comida, diversão e arte” deram também um norte para as discussões realizadas entre os pontos focais. Nilza Rios, da Secretaria de Administração, festejou o fato de que o Programa Bahia Sem Fome veio impulsionar, de uma forma holística, o processo de integração entre todas as secretarias e órgãos do Governo. “Hoje, está muito mais fácil implementar um projeto, porque existe a vontade de caminhar junto e dialogar com todos os entes do Governo. Quando essa articulação funciona bem entre as secretarias, quem sai ganhando é o cidadão, que tem facilitado o acesso aos seus direitos. O Bahia Sem Fome é um programa agregador”, avalia.
Na Secretaria de Educação, onde estão sendo realizadas várias ações desde o começo do Programa Bahia Sem Fome, Ualson Reis, da coordenação dos núcleos territoriais da Secretaria de Educação, destacou a importância do Programa Bolsa Presença, que garante uma renda adicional às famílias que mantêm os filhos na escola. “Além desse programa, que já é uma realidade em todo o estado, definimos que todas as nossas escolas em todos os municípios seriam pontos de arrecadação e de distribuição. Em cada município também foram definidos pontos focais que nos repassam dados sobre ações realizadas nos territórios”, destaca. “Estamos contando com a experiência de nossos gestores escolares para identificar, entre os alunos deles, aqueles que estão em situação de vulnerabilidade social. É dessa forma que identificamos se a família desses alunos precisa ser inserida em nossos programas, como o Bolsa Presença, ou ser indicada, por exemplo, para o recebimento das cestas básicas”.
Para o coronel da Polícia Militar, Roberto Fiúza, o BSF, além de combater a fome, vai nos ajudar a combater um outro flagelo que acomete o nosso estado, que é a violência. “Todas as unidades da Polícia Militar estão empenhadas em fazer o melhor trabalho possível para que a fome seja erradicada em nosso estado. A união de todas as secretarias, de forma transversal, terá resultados sociais efetivos nos próximos anos. Erradicar a fome é também uma forma de lutar contra a violência”, avaliou Fiúza, citando o poeta Fernando Pessoa, no clima literário da Fligê. “Deus quer, o homem sonha e a obra nasce”, resumiu. E acrescentou uma outra frase: “Se for possível, está feito. E se for impossível, nós vamos fazer”.
As discussões foram realizadas na Escola Municipal Rodrigues Lima, no centro da cidade. O coordenador geral do Programa Bahia Sem Fome, Tiago Pereira, destacou que, ao longo dos últimos sete meses, a participação de todos tem sido fundamental para a consolidação do Programa. “Montamos um time de peso para fazer uma disputa de narrativa, de projeto de governo e de concepção de política pública. Os pontos focais do Governo fazem parte desse time, por isso é importante que possamos desenvolver estratégias para implementar, de forma transversal, as ações previstas nos próximos eixos do Programa”, disse o coordenador. “Precisamos agora, mais do que nunca, sensibilizar outros atores e atrizes para que juntos consigamos fazer o enfrentamento da fome”, resumiu.
Coordenadora da Plataforma Bahia Estado Voluntário, que já conta com mais de 17 mil inscritos, a especialista em Direito Público, Kátia Camillo, conduziu os trabalhos iniciais do intercâmbio, trazendo para reflexão a fábula de Esopo “O Galo e a Pérola”. Na fábula, um galo cisca a terra à procura de alimentos, mas em vez de comida, encontra uma pérola preciosa. Diz o galo: “Se um humano te encontrasse, fosse ele um construtor de joias ou uma dama que gostasse de enfeites, eles te recolheriam com muita alegria. Mas, para mim, você não tem valor. Prefiro uma migalha de pão ou um grão de milho que sirvam para o meu sustento”.