Coração de bananeira, buriti, folha de taioba, língua de vaca, broto de bambu, caroço de jaca: todos esses alimentos costumam ser negligenciados quando poderiam estar presentes no cardápio cotidiano da população. Eles são hoje classificados como PANCs, ou Plantas Alimentícias Não Convencionais, e entraram no radar do Bahia Sem Fome, devendo ser incorporados no curto prazo às próximas etapas do programa, uma vez que vão ajudar no combate à fome em várias regiões do estado.
“É um momento muito oportuno para as PANCs, principalmente agora que o poder público federal e estadual está travando esse combate contra a fome”, defende o agrônomo e professor da Universidade Federal da Bahia Geraldo Aquino. Coordenador da Rede PANC-Bahia, ele tem procurado orientar agricultores e cozinheiros sobre a importância das PANCs, cujo termo foi criado em 2008 pelo biólogo e professor Valdely Kinupp, referindo-se às plantas (frutas, raízes, partes não convencionais de plantas convencionais, como o coração da bananeira, por exemplo) que não são amplamente cultivadas ou comercializadas.
“Existem plantas que são comestíveis e não precisamos explicar. Mas o buriti, por exemplo. Tem muita gente que sabe que se trata de uma palmeira, mas não sabe que é comestível”, explica Aquino, lembrando que o kiwi e o açaí são hoje alimentos corriqueiros, mas que há poucas décadas eram desconhecidos da população. “Só vieram a ser aceitos quando grandes chefes de cozinha incluíram esses frutos na alta culinária”, recorda o professor, destacando que a “carne de jaca” já faz parte da gastronomia da Chapada Diamantina, onde é muito popular o pastel de jaca.
Plantas Negligenciadas
Na Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia (Ufba) vários estudos vêm sendo realizados, apontando que, além de comestíveis, as PANCs possuem alto valor nutricional. A professora da Escola de Nutrição Sandra Chaves, nutricionista e doutora em Administração Pública, diz que não gosta da denominação plantas não convencionais. “Quem não convencionou foi o mercado. Eu prefiro a denominação plantas negligenciadas”, defende.
Coordenador do Bahia Sem Fome, Tiago Pereira considera que “as plantas alimentícias não convencionais têm uma relação muito forte com a cultura e com os modos de vida e podem ajudar muito nesse resgate da soberania alimentar, assegurando não somente a superação da fome, mas principalmente uma segurança alimentar e nutricional condizente com a cultura de nosso povo. “Temos uma grande oportunidade de construir possibilidades de inserção das PANCs nas estratégias de combate à fome da Bahia, tendo em vista que estamos construindo um programa social denominado Bahia Sem Fome, inovador e com a cara da Bahia”, diz Pereira.
No âmbito do programa, as PANCs poderão aumentar a variedade de alimentos disponíveis para as pessoas, contribuindo para diversificar a dieta e fornecer nutrientes essenciais que podem estar faltando em diversos alimentos convencionais. “Muitas delas são resistentes e adaptáveis, podendo crescer em áreas que não são adequadas para culturas convencionais, além de sobreviverem em condições desfavoráveis, como solos pobres, clima seco ou úmido”, acrescenta o coordenador do BSF.
Comida Aqui é Mato
Já foi constatado em pesquisas que as PANCs vão ajudar a reduzir a dependência de monoculturas, diversificando a produção agrícola e reduzindo a vulnerabilidade a doenças e mudanças climáticas. Além disso, muitas PANCs podem ser cultivadas em pequenas propriedades, o que pode beneficiar a agricultura familiar, reduzindo a pobreza rural.
Roteirista da série documental Comida Aqui é Mato, dirigida e produzida por Jon Lewis e exibida pela TVE-BA, Adriana Oliveira diz que, na fase de pesquisa anterior às filmagens, a equipe mergulhou na diversidade cultural e saberes dos povos tradicionais (dos territórios de identidade na Bahia), bem como na sua relação com a natureza para escrever a série.
“Muitos resistem na preservação de sua memória local com o cultivo de PANCs, desconhecidas pela população mais urbana, mas que já foram cultivadas e utilizadas pelos seus ancestrais, inclusive, para curas de diversos males”, diz Oliveira, acrescentando que “esse conhecimento foi desaparecendo a partir dos processos de industrialização dos alimentos, destruição dos biomas e pela relação pouco harmoniosa, cuidadosa e responsável com a natureza”.
Fonte: Ascom/Bahia Sem Fome